—Olha mãe, essa barriguinha está um “pandeiro”...é uma infecçãozinha intestinal. Bastante mamão com laranja, ok? Teve diarréia?
— Não, doutora. Aliás, como ele já esteve internado com pneumonia há pouco mais de um ano neste mesmo hospital, além de três outros começos de pneumonias tratados com antibióticos via oral, já vim preocupada com isso, inclusive, estou aplicando inalação em casa porque teve acompanhamento de pneumologista e fui orientada, e lógico, a queixa da “barriga dodói...”, pode ver que a ficha dele aqui está extensa...
—Também pensei que fosse. Pode ser que ele tenha diarréia, qualquer coisa volte.
Os pais saem meio aliviados, com uma receita de antitérmico nas mãos, mas ainda preocupados, no entanto, a médica estudou para tal e não haveriam de discordar, ela sabia o que fazia, afinal, tantas e tantas crianças atendidas diariamente naquele hospital infantil, não é? A mãe fica um pouco inculcada porque gostaria que a pediatra tivesse solicitado um raio-x do tórax do filho, mas não é ela quem deve diagnosticar, sua função é cuidar do pequeno e ficar em alerta enquanto a febre não cede. Aliás, o antitérmico prescrito nem faz tanto efeito na criança, nesse caso, a mãe já conhece o filho que tem e continua com os que controlam melhor a temperatura, além de banhos mornos. E dá-lhe mamão com laranja!
No dia seguinte, a criança ainda mais prostrada nem tem condições de ir à escola, a febre não cede, tosse e dores abdominais pioraram. A mãe conversa com o pai e decidem levá-lo a uma pediatra particular, que após saber do caminho já percorrido por eles, diz:
— Estou ouvindo estertores. Levem-no para o hospital para fazer um raio-x e, de preferência, que ele tome medicação endovenosa. Aliás, dores abdominais têm relação com problemas pulmonares.
Eles saem muito frustrados, de volta ao mesmo hospital do dia anterior, onde passam por outro pediatra que, finalmente, solicita o exame. Feito isto, novo diagnóstico:
— Vamos interná-lo, mãe. Está com pneumonia.
Mãe atônita:
— Como assim, internar? Ontem pela manhã estivemos aqui e era uma infecção intestinal! É só um começo de pneumonia, não é, doutor? Ele já teve isso outras vezes e foi o que enfatizei para a pediatra que o atendeu primeiro!
— Não, mãe. Há dois terços do pulmão direito “manchado”, medicação via oral não resolve. Temos que interná-lo mesmo.
— Como de um dia para o outro o quadro muda para pneumonia a ponto de ter que interná-lo?
Após indignar-se, a mãe aguarda os procedimentos para tal enquanto o filho queima de febre em seus braços. O sentimento de revolta toma conta de si e só aumenta porque a demora é tamanha para que a papelada fique pronta para a internação. Aqui alguns diriam: é porque se trata do SUS. Enganam-se. Era pelo convênio.
Já instalados, a técnica de enfermagem verifica que o pequeno está muito quente e sugere um banho, o que a mãe faz prontamente e acrescenta:
— Tenho antitérmico na bolsa, por acaso não o usei ainda porque aguardava que o fizessem estando aqui sob seus cuidados...
— Na verdade,o doutor é quem prescreve, mas já que é a mãe, pode fazê-lo. Ah, não podemos pegar a veia do seu filho ainda por causa da febre, pode estourar...
Era tudo o que uma mãe aflita gostaria de ouvir, não acha?
A enfermeira responsável pelo setor chega com uma prancheta na mão:
— Olá mãe, o que houve?
— O que houve? O que houve é que estive ontem pela manhã neste hospital na intenção de que fosse feito um raio-x e estava tratando da pneumonia com mamão e laranja! Estou cansada de ver médicos “comendo bola” a todo tempo. Já fizeram isso com meu esposo, com minha falecida mãe e agora com meu filho! O que está acontecendo? Faculdades de medicina demais, qualidade de menos? Estão desgostosos com os salários?
— Sabe, é complicado mesmo. Tem raio-x que num dia está limpo e no outro já apresenta manchas. – retrucou a enfermeira.
A esta altura, o pai tenta acalmar a mãe, sabe tanto quanto ela que houve erro, negligência, pouco caso ou, seja lá como queiram chamar o fato, mas não adiantou. Mesmo sem ser grosseira, a mãe dispara, põe para fora toda indignação:
— Da próxima vez exigirei a conduta do médico, procurarei segunda opinião como o fiz, contudo, se algo pior acontece, muitos dirão que os pais foram relapsos, que foi fatalidade e não quero pagar para ver. Ouço diariamente diversas histórias assim. E as vivenciei também. Chega!
Após quatro dias de internação, o pediatra libera mãe e filho, prescreve um xarope para a tosse remanescente e um vermífugo para aquela queixa de dor abdominal.
Amigos da blogosfera,
Conforme havia dito no post anterior, aqui está narrada a parte principal da situação que vivenciei semana passada com meu filho e alguns detalhes sórdidos - como puncionar a veia dele sem nenhuma psicologia ou coisa que o valha para acalmar ânimos, tanto dos pais e, principalmente, da criança - também não mencionei, mas quem passou por isso, sabe do que estou a falar...
Tenho constatado que a medicina atual é um paradoxo completo: vivemos na era da tecnologia, das descobertas fantásticas e de tantos esforços em HUMANIZAR a relação pacientes x médicos x funcionários, e, de outro lado, aparecem coisas desse tipo pela qual passei e ouvi, hipocritamente: “graças a Deus não houve o pior... olha mãe, não precisaremos drenar o pulmão dele, está num estágio inicial, logo sara... há crianças que chegam aqui precisando desse procedimento, já pensou?”
Pensei sim, pensei comigo: se acontecer algo mais grave dirão que os pais demoraram a procurar ajuda ou, na falta dessa, jogarão a culpa no “inevitável” ou na parceira dele: a “fatalidade”.
Por essas e outras que me sinto no dever de alertar, não só os pais, como a todos nós, adultos e idosos, independente dos recursos que se tenha: ou confiamos cegamente nos médicos e no seu profissionalismo ou procuramos ouvir segundas e até terceiras opiniões sobre nossa saúde, esse bem tão precioso.
Não quero afirmar com isto que todos os profissionais da área em questão são negligentes e propensos ao erro, apesar de serem humanos antes de serem médicos, há que se procurar o melhor, aliás, todos procuramos o melhor o tempo todo, por que esperaremos menos deles? Logo deles?
Criticar apenas por criticar não é o caso, sou alguém bastante flexível, não discuto à toa, contudo, em se tratando de situações extremas como esta, em que há risco de complicações, não há quem resista, concorda?
Façamos nossa parte, sempre. Sejamos pacientes realmente “pacientes”, no melhor sentido que a palavra possa ter. Nada de tomar o remédio pela metade, ou menos que isso, esperar que só a olhadela na cara do médico já cure nossos males; nada de usar de “empurrologia”, sabe, aquela medicina em que o vizinho diz para o outro que tomou o remédio “x” e resolveu seu problema ou o remédio “y” que o farmacêutico empurra sem prescrição médica.
E, concluindo, o título do texto “comendo bola” é um termo que usei e uso algumas vezes em lugar de “comendo barriga” – pode rir! (não sei, acho estranho “comer barriga”... (rs) apesar de ser a expressão idiomática mais comumente utilizada neste sentido). Minha mãe era dessas pessoas que, quase sempre, tinha um velho ditado ou uma expressão idiomática na manga. Cresci ouvindo e herdei alguns deles. Segundo ela: “comiam bola” as pessoas que participavam dos bingos em quermesses e, distraídas, deixavam de ouvir um número “cantado” que aparecia naquela bolinha extraída do globo giratório.
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