Lamento, caso você não queira ler…
Não lamento caso se arrisque daqui por diante.
A vida é feita dessa dualidade (Eclo 33,15), sabe?
Eu sabia e só venho confirmando mais e melhor de tempos em tempos. E por falar em tempo, faz tempinho que não lamento a perda da mãe aqui no blog, porém, às vezes é saudável lamentar discretamente, veladamente, conscientemente. A mim ajudou bastante e continua a me fortalecer. Não vivo a me lamentar, saiba!
Lamentarei muito se este meu momento se tornar ridículo e duramente lamentável visto sob outros aspectos que não intento suscitar nesse post.
Hoje a mãe completaria 61 anos se estivesse viva, mas, há um ano, quatro meses e dez dias ela nasceu para seus três filhos de um jeito diferente, doloroso ao extremo no começo, talvez como deva ser a nossa própria chegada ao mundo, daí aquele choro, aquele temor do recém-nascido… Coloco-me a pensar: Será que ela chorou ou sorriu? Ou será que está adormecida feito embrião? Mil pensamentos percorrem essa mente que vos escreve e não lamento se as respostas forem mais estranhas que as perguntas, nem se sequer houver respostas…
Lamento que minha mãe não esteja aqui para eu presenteá-la, costumeiramente, com aquela blusinha linda, tamanho P, que ao experimentar ficava sempre grande e eu dizia: mãe, vou comprar suas roupas na seção infanto-juvenil! ou, para não correr o risco, um perfume ou bijuterias que ela gostava, era vaidosa, apesar da tristeza que muitas vezes se tornou a fragrância e o adorno de seus dias.
Não lamento que tudo tenha acontecido tão rápido, abreviando seu sofrimento com o câncer e contra ele, não lamento porque ainda assim tive tempo de ficar mais próxima, meus irmãos também puderam, mesmo morando um pouco mais distantes de nós. Não lamento que eu tenha acariciado seus cabelos e beijado sua fronte nos momentos de dor; não lamento que tenha ao menos conhecido um tratamento alternativo e que não houve tempo para começá-lo; não lamento que eu tenha chorado e me desesperado enquanto trabalhava, tentando ser profissional ouvindo a lamentação alheia; não lamento que eu tenha ficado alguns poucos dias de licença ajudando a tia, irmã da mãe, se bem que esse anjo caído do céu nem precisou muito, ela sabia bem o que estava fazendo o tempo todo, chamou pra si a responsabilidade de cuidadora e o fez com louvor; não lamento ter ficado junto dos irmãos, da tia e do meu esposo no momento derradeiro.
Lamento sim, por pessoas que não puderam se despedir de seus entes queridos como eu pude, mesmo com meu coração em frangalhos, estive consciente e ciente desde que soubemos que ela enfrentaria seu maior medo e o fez com bravura, devo dizer. Lamento que muitos de nós não consigam nem se lamentar, que escondam sentimentos sob uma grossa casca de orgulho ou seja lá o que for…
Lamento que você também tenha perdido alguém e sinta saudade, só não lamento que outros tenham a dádiva do dia de hoje e possam comemorar, possam, inclusive, se lamentar como eu! Por isso, não lamento minhas lamentações, pois, fizeram-me mais gente.
Como eu gosto de uma boa prosa, provável que tenha “puxado à mãe” nesse quesito, o netinho aí junto dela também, fala feito matraquinha e os dois se davam bem por isso, era um converseiro, ele bagunçando os cabelos da avó, ela ria feito criança com a peraltice… Não lamento momentos assim que ficaram registrados na mente e no coração.
Imagem: arquivo pessoal (não autorizada a sua reprodução)
E você?